segunda-feira, 25 de abril de 2016

Vida é o que acontece enquanto você faz planos. Então, relaxe! (artigo)


            Resumo: inspirado pela frase de John Lennon, qual é a relação entre vida e planos?

Sempre admirei os compositores, os grandes compositores. Como eles conseguem(iam?) colocar tanta informação, tanto significado, tanta profundidade, em tão poucas linhas? E ainda ter essas linhas encaixadas em uma melodia? É quase inacreditável! Sinto que a minha prolixidade jamais me permitirá chegar a tão alto ideal. Talvez por isso mesmo esteja eu aqui escrevendo este artigo imenso para comentar algo que o grande John Lennon conseguiu expressar com uma única frase.

Life is what happens to you while you’re busy making other plans
Vida é o que acontece com você enquanto você está ocupado fazendo outros planos
                                                                                                                    John Lennon

            Essa frase faz parte da música Beautiful Boy, que o ex-Beatle compôs para seu filho, Sean, e já foi citada e recitada vezes sem conta em filmes, em outras músicas e em artigos despretensiosos escritos para blogs ;). Mas o que essa frase quer dizer?
           
 A princípio, parece óbvio: não importa o quanto você planeje, o quanto você programe e antecipe, a vida não vai seguir os seus planos. A vida vai simplesmente seguir. A vida vai “acontecer” com você enquanto você se ocupa fazendo seus planos, não importa que planos sejam esses.
Algumas vezes os seus planos vão coincidir com os caminhos da vida e, nessa hora, você vai se iludir achando que está “vivendo”, vai achar que está no controle da sua própria história. Mas não, esse momento terá sido apenas mais uma das infinitas coincidências dessa existência que chamamos vida.
Na essência, a mensagem de Lennon para o filho é bem clara: relaxe! Não se ocupe demais fazendo planos! Fazer planos não é viver. A vida vai acontecer independentemente dos seus planos, e isso não é um problema. É assim que as coisas funcionam.
Quem poderia discordar? Quantas pessoas passam anos planejando algo que, no final das contas, não dá certo? Quantas vezes a vida nos levou para caminhos completamente distintos daqueles que havíamos planejado? A vida aconteceu, inexoravelmente; já os planos, algumas vezes sim, outras não, e seguimos vivendo. Lennon estava coberto de razão.

Mas essa seria a interpretação mais direta, mais óbvia para uma frase que possui muitas camadas. E você não está aqui apenas para ler aquilo que é óbvio! Acredito que há um segundo nível de entendimento para essa frase que muitas pessoas deixam passar, especialmente nesse início do século XXI.
Diz a frase: “vida é o que acontece com você enquanto você está ocupado fazendo outros planos”. Certo, mas, e se você não fizer plano algum? Nada, absolutamente nada! Se você se deixar levar completamente à deriva, sem rumo, sem propósito, ainda assim a vida vai “acontecer” com você? Basta não fazer nada para começar a “viver”? Foi isso que Lennon quis dizer?

A vida vai passar, não há dúvida quanto a isso. Já dizia Cazuza: “O tempo não para”. Mas o fato de a vida passar sem que você faça absolutamente nenhum plano significa que você a está vivendo? Não, infelizmente não.


Todos conhecemos exemplos do mal que é uma vida sem planos, sem direção. O mais comum  talvez seja o das pessoas que acabam de se aposentar e não sabem o que fazer da vida, não têm novos planos. Os recém aposentados costumam sofrer muito com o sentimento de inutilidade e de falta de propósito. Afinal, sem um objetivo sequer na vida, por mais simples que seja, pra quê viver? Existir apenas para acordar, comer e dormir para, no dia seguinte, repetir esse mesmo ciclo infinito e estéril? Isso é “viver”? Não, claro que não. Não admira que muitos aposentados entrem em depressão. Se nossa vida não tem rumo algum, enlouquecemos.

Para haver vida é preciso haver planos, mesmo que os planos da vida não sejam os nossos! 

Objetivos simples nos dão algo pelo quê levantar da cama todas as manhãs, já os objetivos impossíveis nos dão algo com o que sonhar todas as noites. Realizar não é essencial para viver. Lennon disse muito bem: a vida acontece enquanto fazemos planosAcredito que a verdade por trás daquela frase seja que a vida acontece quando aceitamos que os nossos planos podem não se concretizar, e não que, para haver vida, é preciso não haver planos. 
Sem comida podemos durar mais de uma semana, sem água, alguns dias, mas sem oxigênio a maioria de nós não resiste a mais do que dois ou três minutos. Combinando essa realidade física com a nossa realidade psicológica, acho seguro afirmar que nos mantemos vivos a partir dos movimentos rítmicos e constantes de inspirar, expirar e aspirar (a).
Quando nossos ancestrais ficaram de pé pela primeira vez, e viram a linha do horizonte, naquele momento, deixamos para trás nossa existência animal e começamos a viver. Nossa existência passou a depender da necessidade constante de alcançar aquele horizonte... e colonizamos o planeta. Nunca de fato alcançamos o horizonte, mas a vida não é sobre alcançar objetivos, é sobre seguir caminhando.
Como animais racionais que somos, precisamos de algo mais, de algo além de nossa mera existência para conseguir manter nossa sanidade em um mundo cada vez mais irracional. Por mais simples que seja o horizonte que buscamos, ainda temos a necessidade psicológica de tentar alcançá-lo. Do contrário, não estaríamos muito à frente do peixinho dourado dando voltas eternamente no aquário.

A vida é o que acontece com você enquanto você está ocupado fazendo outros planos. Então, relaxe, não dê importância demais aos planos e não se desespere se seus planos não se concretizarem. Não viva para fazer planos, faça seus planos e viva!



sexta-feira, 22 de abril de 2016

O que é ser um pai realizado? (artigo)


Resumo: Depois que me tornei pai, comecei a refletir sobre o tamanho da responsabilidade que é criar e educar os filhos. Tentei reduzir essa tarefa imensa a algumas linhas, para servir de base para mim mesmo ao longo dos anos que estão por vir. Talvez outras pessoas possam se identificar com essas mesmas linhas, por isso estou deixando-as aqui publicadas.

Sempre tive o sonho de ter uma família, uma esposa que me amasse muito e filhos a quem eu poderia ensinar o pouco que sei e mostrar as mais belas coisas do mundo pela primeira vez. Eu imaginava como seria a expressão no rosto dos meus filhos quando eles vissem o mar pela primeira vez, a primeira ida ao zoológico. “– Papai, olha, um leão!”. As crianças têm a oportunidade de experimentar sensações pela primeira vez e a dádiva de ainda não terem se fechado emocionalmente com vergonha de expressar suas emoções. Para quem assiste, é um espetáculo sem comparação.
Esse sempre foi meu sonho e, graças a Deus, estou conseguindo realizá-lo. Tenho 34 anos e uma esposa linda, que é minha namorada e companheira na alegria e na tristeza há 13 anos. Temos uma menina linda de 4 anos, Beatriz, e um pequeno ainda no forno, Mateus, que deve fazer sua estreia neste mundo no final de junho de 2015.
Não obstante os sonhos que eu sempre tive quando jovem, desde o nascimento da minha filha, passei a refletir um pouco melhor sobre o que eu quero, de fato, mostrar e ensinar aos meus filhos. No excelente discurso de Steve Jobs aos formandos da Universidade de Stanford, em 2005, o fundador da Apple comentou que foi diagnosticado com um câncer no pâncreas e que uma das primeiras coisas que ele pensou sobre o diagnóstico foi: “Significa ter que dizer aos seus filhos, em alguns meses, o que você pensou que teria os próximos 10 anos para dizer”.
Essas palavras me fizeram pensar... pensar muito... A vida moderna é complicadíssima. Cada vez fica mais difícil encontrar seu espaço neste mundo. Pode-se dizer que é mais fácil ganhar na loteria do que atingir a excelência no polinômio: Trabalho – Realização profissional – Dinheiro – Realização pessoal – Vida familiar – Vida afetiva... E a lista continua. Quem achar que estou exagerando que atire a primeira pedra. Conseguir ensinar, ou auxiliar, meus filhos a dominar tantos aspectos da vida vai levar décadas (eu mesmo, estou longe de conseguir dominar qualquer coisa – muito longe).
Mas e se eu não tiver tanto tempo? E se eu tivesse só este artigo? Qual seria o mínimo que eu precisaria ensinar aos meus filhos para me considerar um pai realizado? Quem é pai sabe o quão inatingível é essa última pergunta.
Depois de muito refletir, e logicamente influenciado pelas minhas experiências pessoais, cheguei à conclusão de que, se eu conseguir incutir nos meus filhos três características básicas, vou me considerar um pai realizado:
1º – Não ter medo de trabalho duro. Muito duro. Seja físico ou intelectual;
2º – Manter-se constantemente aprendendo, curioso, lendo, descobrindo;
3º – Acreditar que nada é impossível.
Ernest_Hemingway_with_sons_Patrick_and_Gregory_with_kittens_in_Finca_Vigia,_Cuba.jpgErnest Hemingway brincando com os filhos em Cuba.
Não sou guru. Não tenho e nem nunca tive uma ideia original. Esses três pontos não representam nada de novo para muita gente, são quase clichês do século 21, mas para mim, foi o meu momento “Eureka” como pai.
Veja, esses três aspectos são como um tripé, na falta de um, os outros dois não se sustentam. De nada adianta simplesmente trabalhar duro, sem rumo, sem foco. Muitas pessoas trabalham duro a vida inteira e não se sentem realizadas, não alcançam os seus sonhos. Ler muito e ser curioso por continuar aprendendo, por si só, sem trabalho, sem dedicação, não leva a lugar algum também. E por fim, se você não acreditar que pode realizar seus sonhos, não vai trabalhar duro e não vai se interessar por continuar aprendendo.
Com as raríssimas exceções daqueles que recebem tudo de mão beijada, nada nesta vida se alcança sem muito trabalho duro, mas a nova geração ainda não se deu conta disso. Então, não ter medo de trabalho duro, já colocará meus filhos à frente de mais da metade da população mundial deste novo milênio. “Beatriz, você quer ser bailarina? Esteja preparada para anos e anos de muito treino e dedicação.” “Mateus, você quer ser astronauta, piloto de avião, Juiz ou o que quer que seja? Somente se estiver disposto a enfrentar de peito aberto anos e anos de trabalho duro e dedicação é que você conseguirá alcançar o seu sonho. Não existem atalhos, meu filho."
Sou bibliófilo de carteirinha. Adoro ler e ter a oportunidade de viver situações que jamais viveria na vida real. Ver acontecimentos por pontos de vista completamente distintos do meu, aprender sempre e o máximo possível. Eu sou o produto de todos os livros que li na vida.
Com meu espírito leitor, dedico-me bastante, diariamente, para despertar nos meus filhos o prazer da leitura. (Peraí, “filhos”? No plural? Mas o Mateus ainda nem nasceu!) Pois é, mas eu também leio para o Mateus, que ainda está dentro da barriga da minha esposa! Também ouvimos música com ele e conversamos sobre os mais variados temas! (rs) Acredito que ler, ler muito, em profusão, todos os dias, infinitamente, o tempo todo, o ano inteiro, é, em uma só palavra: fundamental! Os livros poderão ensinar aos meus filhos muito mais coisas do que eu jamais conseguiria, então, minha prioridade é fazê-los gostar de ler, o resto é entre eles e os livros.
Por fim: acreditar.
Sabe aquela pergunta que todo mundo faz às crianças: “O que você vai ser quando crescer?” Essa pergunta, em um dia distante da minha infância, ficou marcada para sempre na minha memória, mas não na ordem natural. Quem fez a pergunta fui eu. Eu tinha 6 ou 7 anos de idade e perguntei a minha mãe: “Mãe, o que EU vou ser quando crescer?”. Ela, inspirada pela sabedoria infinita da maternidade, disse:
“– Você pode ser o que você quiser!”
“– Mesmo astronauta? Ou até Presidente?”
“– Sim. O que você quiser!”
Aquele foi um momento libertador. A partir daquele momento eu podia ser o que quisesse! (Podia sim, minha mãe me disse! rs). E essa liberdade me fez perder o medo de tentar qualquer coisa, mesmo que parecesse maluca ou inatingível. E nesses 34 anos eu já fiz muita coisa que foi considerada completamente maluca e inatingível para as pessoas ao meu redor, mas deu certo! Meus filhos, acreditem em vocês mesmos!!
Esses seriam os conselhos mais básicos que eu poderia dar aos meus filhos, na esperança de que sejam suficientes. Contudo, se Deus permitir, pretendo estar ao lado deles por muitos e muitos anos ainda, compartilhando cada momento, desfrutando de cada olhar, de cada nova descoberta. Amo vocês!
O desejo inicial era ser resumido, mas nem sempre a gente consegue realizar 100% do planejado. Preciso aprender com essa experiência e melhorar no futuro. Aprender com os próprios erros também é um bom conselho. Quem sabe esse pode ser o último dos meus três ensinamentos para meus filhos, como em “Os três mosqueteiros”, que na verdade eram quatro.
Ao ler este texto, você pode achar que a minha “receita básica de sucesso” é, na verdade, mais uma autobiografia resumida do que, de fato, conselhos para meus filhos. E eu sou obrigado a concordar com você! Mas, por mais condescendente que possa soar, mesmo com meus inúmeros defeitos e projetos ainda por realizar: eu sou feliz! E não há nada neste mundo que eu queira mais do que a felicidade dos meus filhos. Não sou o dono da verdade, não consigo prever o futuro. Dadas as minhas circunstâncias, o melhor que posso fazer para os meus filhos é dizer: essa fórmula funcionou para mim, quem sabe ela é impessoal o suficiente para funcionar para vocês também! Tentem!

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Somos Todos Incríveis (artigo)


Resumo: Às vezes nos esquecemos do quanto nós mesmos somos os heróis e de como simplesmente "a arte imita a vida", não o contrário. Este texto é para nos ajudar a lembrar disso!

A Pixar anunciou no ano passado que está trabalhando em uma sequência para o filme “Os Incríveis”, lançado no já longínquo ano de 2004. A previsão é que a sequência seja lançada em 2016 ou 2017 e o roteiro está sendo escrito por Brad Bird, o mesmo roteirista do primeiro filme e de outros sucessos como Ratatouille e o excelente Missão Impossível: Protocolo Fantasma. Mas este texto não é sobre animações ou mesmo sobre cinema. É sobre ver o que há de “Incrível” em todos nós.
heróis.jpg
Nos últimos 15 anos temos sido bombardeados por filmes sobre super-heróis. Tem pra todos os gostos: os tradicionais Batman e Super-homem, a avalanche de filmes dos X-Men, Ironman, Thor, Hulk, Vingadores e mais um monte. Em meio a tanto herói, é fácil se deixar levar e aceitar que “Os Incríveis” é mais um filme sobre super-heróis e seus super-poderes. E é aqui que você se engana!
Família.jpgNENHUM DOS PERSONAGENS DA FAMÍLIA “INCRÍVEL” POSSUI NENHUM PODER!
Bem, pelo menos não mais do que eu ou você. Curiosamente, nenhuma das pessoas com quem eu comentei sobre a minha interpretação desse filme tinha percebido essa característica, e é por isso que estou fazendo este texto.
Vamos analisar um a um.
Papai incrível largura.jpgBeto Pêra (Sr. Incrível). Poder: Super-força.
O poder do Sr. Incrível é a sua super-força, como é o caso de todos os pais! Aos olhos dos filhos, todo pai é super-forte! Pode perguntar para qualquer criança de 5 anos se o pai dela é forte. Provavelmente você vai ouvir: "Sim! Meu pai consegue me levantar com um braço só! E sabe aquela cadeira de ferro super pesada do jardim? Meu pai consegue levantar ela sozinho!!! Meu pai é super-forte!"
mamae incrível largura.jpgHelena Pêra (Mulher Elástica).
Essa é ainda mais fácil. Ela é a mãe da família, com marido e três filhos pequenos. O nome de super-heroína dela já informa o seu poder: elasticidade. Qual é a mãe deste mundo que não tem que ser uma mulher elástica todo santo dia???? É marido, é filho, é casa, cachorro, comida, roupa, trabalho, trânsito. Todas as mães do mundo são mulheres elásticas, esticam-se e desdobram-se para fazer de tudo e, sinceramente, eu não sei como elas dão conta! (Beijo pra minha mãe e pra minha esposa!)
VIOLETA PERA largura.jpgVioleta Pêra
Essa também não deveria ser segredo para ninguém. Ela é a adolescente da casa, está passando por aquela fase complicadíssima da vida por que todos nós passamos. Quais são seus poderes? Ela tem a capacidade de ficar invisível e de criar campos de força em volta dela. Ora, todo adolescente, em algum momento daqueles anos complicados da vida, já se perguntou se era invisível. “Por que é que ninguém me nota? Será que eu sou invisível? Eu devo ter um campo de força em volta de mim que mantém as pessoas afastadas!”. Aí está! Violeta é uma adolescente “invisível” como há tantos mundo afora. São poucas as pessoas que ela (e a maioria dos adolescentes) deixa que se aproximem de verdade dela... que ultrapassem a barreira do seu "campo de força".
FLECHA PEQUENO largura.jpgFlecha Pêra. Seu poder é ser rápido.
Pela aparência, Flecha tem seus 8 ou 9 anos e simplesmente não consegue ficar parado. Ele corre pra um lado e para o outro, rápido como uma flecha. A mãe mal consegue ver o menino porque ele não para. A energia desse menino parece que não acaba nunca e ele vive se metendo em confusão! Parece a descrição de algum menino de 8 ou 9 anos que você conhece? Praticamente todos, não é? Só faltou ele gostar de jogar futebol e andar de bicicleta!
Por fim, você pode estar se perguntando se o bebê da família também é uma extensão de todos os bebês do mundo. E eu digo pra você que é!
BEBE PEQUENO largura.jpgZezé (o bebê)
Ao longo de todo o filme é dito que o bebê não tem poderes, até que, no fim, para surpresa do vilão, Zezé passa por uma série de transformações e mostra os seus poderes. Ele vira uma tocha humana e depois se transforma em algum tipo de metal bem pesado.
images (5).jpgPoderes Zeze.jpgQual não foi a mãe ou o pai que em algum momento tocou a cabeça do filho pequeno e disse: “ele está pegando fogo de febre!”. Por sua vez, quantos de nós já tentamos levantar um bebê do chão e grunhimos entredentes a frase: “Nossa, que peso! Parece que esse menino é feito de chumbo!”.
the_incredibles____and_edna_3_by_eatsleepbroadway-d39hmnt.jpgVocê e sua família na fila do cinema no ano que vem! (rs)
Pois aí está, meus amigos! No próximo ano, quando vocês estiverem levando seu filho ou filha ao cinema pela 5ª vez para assistir a “Os Incríveis 2”, sabendo que depois vocês terão que comprar o DVD, que por sua vez será assistido centenas de vezes na sua casa, lembrem-se que aqueles heróis que fazem seus filhos vibrarem de emoção, no fundo no fundo, são vocês mesmos!
Inconscientemente, seus filhos sabem que você, pai, e você, mãe, são os heróis da aventura que é a vida deles.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Uma ode ao casamento e ao amor (Discurso)





Resumo: Casamento não é abrir mão de todas as outras pessoas, é ter a sorte de encontrar aquela pessoa única no mundo que ninguém mais pode ter, que é só sua, que estará ao seu lado nos momentos alegres e que te abraçará em silêncio nos momentos difíceis.

     Minha irmã mora no Japão, mas fez questão de se casar no Brasil, com uma festa de casamento brasileira e devidamente acompanhada dos amigos e familiares. Levar todos para o Japão seria inviável. Além disso, depois de 10 anos morando do outro lado do mundo, adaptando-se a outra cultura e longe dos seus, estar junto de pessoas queridas para compartilhar um momento tão especial quanto o casamento era uma prioridade para ela. Para mim também seria.
     
     Para evitar a burocracia desnecessária de um casamento civil no Brasil, dependendo de tradução juramentada e de mais uma série de exigências, e considerando que a certidão de casamento brasileira não teria mesmo muita utilidade para o casal no Japão, ela decidiu fazer uma cerimônia sem valor jurídico ou religioso, repleta apenas de valor sentimental.

     Assim, no final de 2015 fui convidado por minha irmã, Marília, a ser o celebrante do casamento dela com seu noivo genuinamente japonês, Hiro. O resultado foi o texto que segue, uma ode e ao casamento e ao amor que, acho, pode ser do interesse de outras pessoas.

     Obs.: A família do noivo (pai, mãe e irmão) veio do Japão para prestigiar o casamento. Para que eles pudessem entender o que eu estava falando lá na frente, o casamento contou com tradução simultânea. Em outras palavras, a emoção foi completa, em português e em japonês.




     Queridos Amigos e familiares,

     Antes de tudo, eu gostaria de agradecer a presença de todos neste dia que, sem dúvida, é um dos mais importantes e felizes da vida de Marília e Hiro. Quero agradecer especialmente à família do Hiro, que veio diretamente do Japão para o Brasil, literalmente do outro lado do mundo, para prestigiar este momento. Ioriko San, Takafumi San e Tomoyuki San, arigatô gozaimasu!

     Fiquei muito honrado quando a Marília me convidou para fazer esse pequeno discurso hoje e ter o privilégio de estar aqui, no melhor lugar da festa, para testemunhar bem de perto o desenrolar desse momento tão simbólico na vida de qualquer casal: o casamento. Mas o que é mesmo o casamento?

     Para muitas pessoas, casamento é apenas isso que estamos vendo aqui agora, simplesmente uma festa, um jantar especial, bebidas, roupas bonitas, amigos, fotos e etc. Sinto dizer, mas essas pessoas estão erradas. O casamento é tão mais do que isso.

     Casamento não é abrir mão de todas as outras pessoas do mundo, é ter a sorte de encontrar aquela pessoa única no mundo que ninguém mais pode ter, que é só sua, que estará ao seu lado nos momentos alegres e que te abraçará em silêncio nos momentos difíceis. Ao mesmo tempo, é saber que você será essa mesma fonte de alegria e de companheirismo para o seu parceiro. No casamento, muitas vezes somos mais felizes fazendo o outro feliz do que buscando a felicidade só para nós.

     O seu cônjuge é a pessoa para quem você pode se mostrar por inteiro: suas inseguranças, seus sonhos, suas manias, suas falhas, seus medos. Ser marido ou mulher é amar, aceitar e apoiar seu parceiro exatamente como ele é. Em outras palavras, o casamento é como se fosse um lugar, é o único lugar no mundo em que você pode ser realmente quem você é, sem máscaras, sem censuras e sem limites. É sonhar juntos o mesmo sonho, é realizar juntos os mesmos desejos, é compartilhar e dividir uma felicidade infinita.

     É justamente por não entender o que é, de fato, o casamento que hoje em dia as uniões estão acabando cada vez mais rápido. Estamos tão acostumados a nos esconder atrás dos nossos celulares, das fotos sempre cheias de sorrisos, das nossas infinitas redes sociais... Temos tantos “perfis” que ficou difícil haver alguém que nos veja “de frente”, como realmente somos. O casamento é onde podemos nos despir por completo do personagem que interpretamos para o resto do mundo e, falando por experiência própria, é maravilhoso, é libertador!



   Mas nem tudo são flores. Eu vejo muitas pessoas cometendo sempre o mesmo erro quanto ao casamento. As pessoas hoje em dia acham que casamento é uma caixinha mágica da qual nós tiramos alegria para compensar as frustrações e tristezas do dia a dia. Assim, se por acaso a caixinha não produz mais alegria pra suprir minha necessidade, não serve pra mais nada. Melhor procurar outra caixinha mágica produtora de alegria. Mas não é assim que o casamento funciona.
             
     Casamento dá trabalho, e muito! Quem quer ficar bonito e saudável tem que fazer dieta, exercícios e se dedicar muito. Quem quer chegar a ser o Presidente de uma empresa multinacional precisará dedicar anos e anos a esse objetivo. Tudo na vida: trabalho, saúde, projetos, sonhos etc, funciona assim. Então, com o casamento não teria como ser diferente.

     Mas,  olhando de outra perspectiva, será que vale a pena  tanto trabalho? Se  pudéssemos definir um valor para o casamento, qual seria o preço de uma vida inteira de felicidade? Vocês já se perguntaram isso? Pensem: quanto “custaria” fazer duas pessoas felizes para sempre como nos contos de fada?



     Marília e Hiro, a resposta a essa pergunta é muito simples e já virou até letra de música. Nas palavras dos Beatles: “No fim, o amor que você leva é igual ao amor que você faz”. Ou seja, a quantidade de dedicação que vocês depositarem no casamento será proporcional à alegria de que vocês dois desfrutarão ao longo dos anos e anos dessa união. Dediquem-se um ao outro, sempre, invistam no casamento de vocês e a “caixinha da felicidade” jamais se esvaziará. E sobre a felicidade no casamento, acho que cabe mencionar também algumas palavras.

     Enquanto eu estava pesquisando para  escrever este  texto,  encontrei um conceito japonês riquíssimo que se aplica perfeitamente à felicidade no casamento. Estou falando do conceito de Wabi-Sabi. Em japonês, wabi significa “quietude” e sabi significa “simplicidade”. Wabi-Sabi é um conceito muito interessante, é uma filosofia de vida baseada no Zen Budismo que aprecia a beleza daquilo que é “imperfeito, transitório e incompleto”, mas único! Um dos exemplos que encontrei do Wabi-Sabi é o de uma xícara de chá que se quebrou e que foi colada novamente. Aquela xícara deixou de ser igual a todas as outras, ela agora tem pequenas marcas e imperfeições, pequenos vestígios de sua trajetória que agora a diferenciam e a tornam única no mundo.



     Por ter se quebrado,  aquela xícara se tornou mais simples que as outras, mas, ao mesmo tempo, ela possui uma história, ela possui um tipo de beleza que nenhuma outra xícara jamais poderá imitar.

     As pessoas que entendem a filosofia do Wabi-Sabi percebem que a beleza daquela xícara vem exatamente de suas pequenas imperfeições, de sua história e de sua simplicidade. Por outro lado, quem só se preocupa com a camada exterior e com a opinião dos outros, e não com essência, não será capaz de ver ali mais que uma mera xícara de chá remendada.

     Marília e Hiro, se vocês tiverem  sorte e se  dedicarem bastante, o  casamento de vocês terá muito desse conceito de Wabi-Sabi. E eu não estou desejando a vocês um monte de xícaras quebradas! Não é nada disso.

   Cada casal sabe bem do que eu estou falando. A esposa que ri da cara amassada do marido quando ele acorda no dia seguinte a uma festa. O marido que acha lindo o jeito como a esposa reage a uma cena romântica no cinema, ou como ela fica linda quando está rindo de uma piada sem graça. Todos esses pequenos detalhes da vida a dois, essas pequenas “imperfeições” aos olhos de outras pessoas, são na verdade os mais belos, singelos e felizes momentos de um relacionamento. E isso tem tudo a ver com o Wabi-Sabi! A real felicidade está naquilo que é “imperfeito, simples e transitório”, mas cheio de significado e de beleza. Marília e Hiro, saibam encontrar essa beleza simples e imperfeita no casamento de vocês e, tenho certeza, vocês serão infinitamente felizes.

     E por falar em felicidade, eu não posso, em uma cerimônia de casamento, deixar de falar da fonte de toda a felicidade: o amor. Ah, o amor! O que ainda há para se falar sobre o amor?

  “Amor” é uma palavra pequena para representar um sentimento infinito, é algo que todos sentem, mas que poucos se atrevem a definir. Aristóteles teve essa coragem. Segundo o grande filósofo grego “o amor é uma só alma que habita dois corpos ao mesmo tempo”. Perfeito! O amor é capaz de quebrar as leis da física e da matemática. No amor, um mais um é igual a um! A soma de duas pessoas é igual a uma só família!



     Um dos lados bons  de hoje  em dia  não haver mais casamentos  arranjados e menos casamentos por pressões sociais é que, finalmente, podemos acreditar que as pessoas estão verdadeiramente se casando por amor e só por amor. O amor verdadeiro não tem por quê. O Padre Antônio Vieira tem um sermão lindíssimo sobre o amor no qual ele aborda a pergunta: Por quê amamos? Diz o padre: “Se amo por que me amam, amo por obrigação, faço o que devo; se amo para que me amem, é uma negociação, sou interesseiro; quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, esse sim, ama de verdade”.

     O amor é um fluxo contínuo, sem início nem fim, sem porquê, sem pra quê. O amor “é”, e feliz é aquele que tem a chance e a sorte de provar desse que é o mais puro dos sentimentos humanos. Eu acredito profundamente no amor. Marília e Hiro, ao longo dos anos e anos do casamento de vocês, se todo o mais falhar, simplesmente amem.

    Acredito que chegou o momento de darmos o próximo passo nessa cerimônia tão cheia de simbolismo. E o que melhor para representar simbolicamente o casamento e o amor do que as alianças? Por favor, que entrem as alianças que selarão esta união.



     Tenho em minhas mãos um par de alianças muito bonitas. Tudo em uma cerimônia de casamento tem o seu simbolismo, e as alianças não são exceção – primeiramente, pelo formato. As alianças são um círculo perfeito, sem início e sem fim, que representa o elo eterno que se está estabelecendo aqui hoje. A aliança não é uma algema que aprisiona os noivos, ela é um símbolo visível e tangível do laço invisível e intangível que manterá Marília e Hiro unidos para sempre a partir de hoje.

     E,  falando em para sempre, as alianças de casamento tradicionalmente são feitas de ouro, mas por quê? Porque ouro é caro? Porque precisamos ostentar uma joia em nossas mãos todos os dias? Não. Ao contrário de outros metais, o ouro não enferruja, não escurece, não cria manchas com o passar dos anos. Joias feitas de ouro com mais de 4 mil anos foram encontradas em perfeito estado no Egito. O ouro das alianças de casamento simboliza o amor verdadeiro de um casal, que não se desgasta, que não se mancha, que não enferruja, mesmo depois de anos e anos de relacionamento.

     E por que as alianças são colocadas no quarto dedo da mão esquerda, que em português inclusive recebe o nome de “dedo anelar”? Durante muitos séculos acreditou-se que havia uma veia que ia deste dedo diretamente ao coração. Essa veia imaginária era chamada em latim de “vena amoris”, ou a “veia do amor”. Assim, usando a aliança nesse dedo, simbolicamente, os noivos envolviam o próprio coração com a representação física de seu amor.

     Marília e Hiro, desejo do fundo do coração que a união de vocês seja infinita como o círculo infinito dessas alianças, e que o amor de vocês seja puro, limpo, brilhante e eterno como o ouro desses anéis tão cheios de simbolismo que a partir de hoje envolverão os corações de vocês.
Agora que relembramos esses significados, acho que é o momento ideal para que os noivos troquem as alianças e prestem o compromisso matrimonial.

   Antes, porém, um comentário. Nas cerimônias católicas, todos os casais presentes durante o compromisso matrimonial também renovam os votos que fizeram quando se casaram. Minha esposa e eu sempre nos lembramos disso quando vamos a casamentos e trocamos um olhar confidente e emocionado. Isso faz de cada cerimônia um momento ainda mais especial para nós, mesmo depois de 14 anos de união. Esta não é uma cerimônia religiosa, mas, mesmo assim, eu convido todos os presentes a, junto com os noivos, renovarem os votos de amor e de fidelidade da união de cada um de vocês.


     Marília e Hiro, vocês manifestaram o desejo de vos unir em matrimônio. É de livre e espontânea vontade que o fazeis?
              
     Noiva: Sim! 

     Noivo: Hay!

     Marília, por favor, coloque a aliança no dedo do Hiro e repita depois de mim:

    Eu, Marília, te recebo, Hiroyuki, como meu legítimo esposo, prometendo-lhe ser fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias de nossa vida.

     Hiro, por favor, coloque a aliança no dedo da Marília e repita depois de mim:

    Watashi  Hiroyuki wa,  anata,  Marilia  wo, tsuma toshi, sono sukoyaka na tokimo, yamu tokimo, yutaka na tokimo, toboshii tokimo, anata wo uyamai, nagussame, tassuke, eien ni aissuru koto wo tikaimassu.

    Pelos poderes a mim conferidos por vocês mesmos, Marília e Hiro, e também em nome das famílias de ambos que estão aqui presentes, testemunhando este momento de emoção e de amor, eu vos declaro: Marido e Mulher.

     Pode beijar a noiva!


     Jovem casal, a partir deste momento vocês  dois  são uma  só família. Uma família que consegue unir os dois extremos do planeta no espaço apertado de um abraço. Lembrem-se sempre de que os milhares de quilômetros que separam Brasília de Tóquio não foram obstáculo suficiente para impedir a união de vocês. Então, nunca permitam que pequenos contratempos da vida sejam capazes de afastar um do outro. Coragem!

     Agradeço a honra de ter podido celebrar o casamento de vocês e faço votos de que esta união seja feliz e duradoura! Vou encerrar esta cerimônia com uma frase do escritor Alexander Milne, autor de “O Ursinho Pooh”, que, para mim, define a essência de uma união feliz.

     “Se você viver até os 100 anos,  espero viver até ter 100 anos menos um dia,  para que eu nunca precise viver sem você.”

     Sejam felizes! Deus abençoe vocês.


     "Nossos caminhos são agora um só caminho, nossas almas, uma só alma. Já não preciso estender a mão para te alcançar, já não precisas falar para que eu te escute."

     E viveram felizes para sempre...

     Fotos: Canvas Ateliê Fotográfico

quarta-feira, 6 de abril de 2016

A bela da tarde (Conto)


A bela da tarde
Conto de Thiago de Melo

            “No momento não estamos publicando literatura fantástica. Acreditamos que os leitores querem algo mais realista e pessoal. Obrigado por considerar a nossa editora para o envio de seus originais. Boa sorte na publicação de seu livro”.
            Artur deixou a folha cair na mesa do café. Essa já era a 8ª carta de rejeição que recebia sobre seu manuscrito “Arcadia, o paraíso dos dragões”.
– Acho que as outras 7 editoras sequer se darão ao trabalho de me mandar uma carta de rejeição. Humpf! “mais realista e pessoal”. É uma forma interessante de dizer “auto-ajuda”.
Tomou seu terceiro copo d’água desde que havia chegado e passou a observar o salão do café em que estava. Ia sempre àquele lugar. A tentativa do proprietário de imitar um café parisiense havia agradado. Gostava de poder atravessar uma porta e se teletransportar para a França. Com o ordenado de fome que recebia como assistente na Biblioteca Pública de São Paulo, esse era mesmo o mais perto que chegaria de Paris.
A maioria dos rostos se repetia. Empregados dos prédios de escritório próximos, adolescentes matando aula no meio da tarde, um ou outro velhinho olhando pela vitrine do café, buscando lá fora algo que haviam perdido por dentro, talvez repetindo na mente as palavras de Edith Piaf, que cantava no rádio: “Je ne regrette rien”.
As idades variavam, mas Artur já notara há muito que os clientes do café tinham sempre algo em comum: o celular. Exceto os velhinhos, claro. Entre as gerações mais novas os celulares eram onipresentes. Os executivos dos escritórios os encaravam a cada duas ou três palavras trocadas, num movimento rítmico, quase uma respiração. Já para os adolescentes o celular era como um órgão vital fora do corpo, mas com uma agravante: a necessidade constante de uma tomada. O marca-passo de um adolescente poderia ficar sem bateria, o celular jamais, seria pior que a morte.
Mas havia alguém diferente nesse dia. Vinte e poucos anos, adulta o suficiente para já ter provado um pouco do bem e do mal do mundo, mas ainda jovem demais para já ter se desiludido, ainda. Artur observava cada detalhe. Os cabelos castanhos desciam lisos ao lado dos olhos até os ombros. Os óculos grandes para o rosto fino precisavam ser reposicionados de quando em quando.
A composição era muito agradável para Artur: o café parisiense, Piaf cantando, o sol da tarde entrando pela grande vitrine ao lado da linda moça. Mas o que mais chamava a atenção era a falta de um celular. Em vez do ópio do Século 21 a garota encarava vividamente um livro. Ela desfrutava das palavras e a cada três ou quatro páginas levantava o rosto para observar os pedestres do outro lado do vidro.
“Que criatura fantástica. Jovem, bonita e leitora, em pleno terceiro milênio? Será possível?”, pensou.
Decidido a fazer contato, tomado de uma coragem infinita da qual não conhecia a origem, levantou-se, tirou da mochila uma cópia de seu livro que havia mandado encadernar e atravessou o café confiante em direção ao alvo. Faltando dois ou três passos a coragem infinita acabou. Hesitou. A jovem levantou o rosto e Artur, com a naturalidade de um ataque epilético, sentou-se à mesa ao lado. A jovem achou divertido o acontecido e sorriu levemente antes de retomar a leitura.
O coração de Artur martelava.
“Ela me viu. Ela sorriu pra mim. Preciso fazer alguma coisa.”
Nada aconteceu.
“Diz alguma coisa, idiota!”.
Ele virou o rosto para ela e balbuciou: – Eh... eh... - ela olhou na direção dele, que sorriu sem graça.
– Olá. Vejo que somos os últimos de uma espécie em extinção - e apontou para os livros que ambos tinham sobre as mesas e em seguida para o mar de rostos vidrados nos celulares.
Ela seguiu com o olhar o movimento da mão dele e depois sorriu com gentileza.
– É, parece que sim, mas espero que não sejamos os últimos, ainda precisamos dos escritores.
Ela fez menção de voltar o rosto para o livro, mas Artur atalhou.
– Eh... Que coincidência, não é? Por acaso eu sou escritor – disse, forçando ao máximo sua melhor cara de intelectual.  
– É mesmo? Que livro você publicou?
– Quer dizer, a parte da publicação ainda precisa se concretizar, mas quanto a ser escritor, minha contribuição para o mundo das letras já está bem aqui nas minhas mãos.
– Legal – disse a jovem, perdendo o interesse.
Com a coragem renovada por duas frases de diálogo ele foi à mesa da jovem, apontou para a cadeira vazia em frente a ela e perguntou: - Posso?
Antes que ela pudesse responder ele já havia se instalado.
– Artur Guerra, proto-autor mundialmente famoso. Muito prazer. E o seu nome, qual é?
– Oi, Artur. Meu nome é Taís.
Artur passou a falar de seu livro e do quanto gostava de dragões, cavaleiros e histórias de fantasia. Disse que trabalhava na biblioteca durante as manhãs e que passava as tardes naquele café se dedicando à nobre e quase perdida arte da escrita. Reclamou do quanto era incompreendido pelas editoras e do incrível potencial comercial de seu livro. Taís se limitava a ir concordando com meneios de cabeça a cada breve pausa daquele monólogo.
Depois de falar por longos minutos, Artur já não conseguia segurar os três copos d’água e o café que havia tomado desde que chegara. Ele pediu licença a sua jovem companhia e foi ao banheiro.
Estava animado. Tudo estava correndo muito bem. Lavou o rosto no banheiro e se olhou no espelho confiante. Tinha certeza de que havia causado uma boa impressão. “Ela gosta de livros. Eu sou escritor. A conexão é inevitável”, pensou.
Ao sair do banheiro não viu mais Taís à mesa em que estavam. Procurou em volta. Nada. Aproximou-se da mesa e viu um guardanapo embaixo de seu livro. O guardanapo tinha uma mensagem escrita.
“Oi, Artur, obrigada pela companhia. Desculpe ir embora dessa forma, mas tive contatos pessoais demais nas últimas tardes. Estou querendo ficar sozinha com meu livro, quero menos realidade e mais impessoalidade. Boa sorte com a publicação do seu livro. Taís S.”
Artur deixou o papel cair sobre a mesa.
– Já estou recebendo cartas de rejeição até em guardanapos. Uns dizem que querem algo “mais realista e pessoal”, outros “menos realidade e mais impessoalidade”. Oras! Editoras, leitores, o que essa gente entende sobre livros afinal?
Ficou ali, sozinho, vendo a vida passar na vitrine e murmurando a letra da música que tocava no café: “Je suis malheureux d’avoir si peu de mots à t’offrir en cadeau, Darling” *.


FIM



* "Sou infeliz por ter tão poucas palavras para te oferecer de presente, Querida".

Ler pra Esquecer - Seja Bem-Vindo (Apresentação do Blog)

       
    Esta é, oficialmente, a primeira postagem do blog. Seja bem-vindo.

    Este blog nasce hoje como um centro de resistência, como uma alternativa, como um refúgio para quem está precisando esquecer "o que há lá fora", seja o que for.

    No meu caso, a ideia de criar este espaço surgiu quando me vi saturado de tudo. Todos têm o seu limite, e eu encontrei o meu. Chega!

    Crise econômica, crise política, crise de refugiados, crise moral, inflação, corrupção, assassinatos,  manifestações, arrastões, disputas de ego, injustiças diárias e infinitas. Cansei.

    Uma pesquisa recente apontou que 1/3 da internet é composto por sites pornográficos. Na minha opinião, os outros 2/3 são compostos por notícias sobre as desgraças e fotos de bundas, cada vez maiores (tanto as desgraças quanto as bundas).

    Se tirarmos os sites pornô, as desgraças e as fotos de bundas, o que sobraria na internet? Pois é, sobraria o lerpraesquecer.blogspot.com.br.

"Se você está lendo este blog, você faz parte da resistência" (John Connor).

    Saturado que estava por tudo a minha volta, e sendo um apaixonado por literatura, tomei a decisão desesperada de me auto-desafiar a ler e escrever o máximo que conseguir enquanto este blog estiver online. Essa foi a alternativa que encontrei. Deseje-me sorte!

Já tentei ir para Nárnia, mas fiquei preso horas no armário e nada aconteceu.

Pensei em me auto-congelar por algumas décadas, mas achei que era uma fria...