quarta-feira, 13 de abril de 2016

Uma ode ao casamento e ao amor (Discurso)





Resumo: Casamento não é abrir mão de todas as outras pessoas, é ter a sorte de encontrar aquela pessoa única no mundo que ninguém mais pode ter, que é só sua, que estará ao seu lado nos momentos alegres e que te abraçará em silêncio nos momentos difíceis.

     Minha irmã mora no Japão, mas fez questão de se casar no Brasil, com uma festa de casamento brasileira e devidamente acompanhada dos amigos e familiares. Levar todos para o Japão seria inviável. Além disso, depois de 10 anos morando do outro lado do mundo, adaptando-se a outra cultura e longe dos seus, estar junto de pessoas queridas para compartilhar um momento tão especial quanto o casamento era uma prioridade para ela. Para mim também seria.
     
     Para evitar a burocracia desnecessária de um casamento civil no Brasil, dependendo de tradução juramentada e de mais uma série de exigências, e considerando que a certidão de casamento brasileira não teria mesmo muita utilidade para o casal no Japão, ela decidiu fazer uma cerimônia sem valor jurídico ou religioso, repleta apenas de valor sentimental.

     Assim, no final de 2015 fui convidado por minha irmã, Marília, a ser o celebrante do casamento dela com seu noivo genuinamente japonês, Hiro. O resultado foi o texto que segue, uma ode e ao casamento e ao amor que, acho, pode ser do interesse de outras pessoas.

     Obs.: A família do noivo (pai, mãe e irmão) veio do Japão para prestigiar o casamento. Para que eles pudessem entender o que eu estava falando lá na frente, o casamento contou com tradução simultânea. Em outras palavras, a emoção foi completa, em português e em japonês.




     Queridos Amigos e familiares,

     Antes de tudo, eu gostaria de agradecer a presença de todos neste dia que, sem dúvida, é um dos mais importantes e felizes da vida de Marília e Hiro. Quero agradecer especialmente à família do Hiro, que veio diretamente do Japão para o Brasil, literalmente do outro lado do mundo, para prestigiar este momento. Ioriko San, Takafumi San e Tomoyuki San, arigatô gozaimasu!

     Fiquei muito honrado quando a Marília me convidou para fazer esse pequeno discurso hoje e ter o privilégio de estar aqui, no melhor lugar da festa, para testemunhar bem de perto o desenrolar desse momento tão simbólico na vida de qualquer casal: o casamento. Mas o que é mesmo o casamento?

     Para muitas pessoas, casamento é apenas isso que estamos vendo aqui agora, simplesmente uma festa, um jantar especial, bebidas, roupas bonitas, amigos, fotos e etc. Sinto dizer, mas essas pessoas estão erradas. O casamento é tão mais do que isso.

     Casamento não é abrir mão de todas as outras pessoas do mundo, é ter a sorte de encontrar aquela pessoa única no mundo que ninguém mais pode ter, que é só sua, que estará ao seu lado nos momentos alegres e que te abraçará em silêncio nos momentos difíceis. Ao mesmo tempo, é saber que você será essa mesma fonte de alegria e de companheirismo para o seu parceiro. No casamento, muitas vezes somos mais felizes fazendo o outro feliz do que buscando a felicidade só para nós.

     O seu cônjuge é a pessoa para quem você pode se mostrar por inteiro: suas inseguranças, seus sonhos, suas manias, suas falhas, seus medos. Ser marido ou mulher é amar, aceitar e apoiar seu parceiro exatamente como ele é. Em outras palavras, o casamento é como se fosse um lugar, é o único lugar no mundo em que você pode ser realmente quem você é, sem máscaras, sem censuras e sem limites. É sonhar juntos o mesmo sonho, é realizar juntos os mesmos desejos, é compartilhar e dividir uma felicidade infinita.

     É justamente por não entender o que é, de fato, o casamento que hoje em dia as uniões estão acabando cada vez mais rápido. Estamos tão acostumados a nos esconder atrás dos nossos celulares, das fotos sempre cheias de sorrisos, das nossas infinitas redes sociais... Temos tantos “perfis” que ficou difícil haver alguém que nos veja “de frente”, como realmente somos. O casamento é onde podemos nos despir por completo do personagem que interpretamos para o resto do mundo e, falando por experiência própria, é maravilhoso, é libertador!



   Mas nem tudo são flores. Eu vejo muitas pessoas cometendo sempre o mesmo erro quanto ao casamento. As pessoas hoje em dia acham que casamento é uma caixinha mágica da qual nós tiramos alegria para compensar as frustrações e tristezas do dia a dia. Assim, se por acaso a caixinha não produz mais alegria pra suprir minha necessidade, não serve pra mais nada. Melhor procurar outra caixinha mágica produtora de alegria. Mas não é assim que o casamento funciona.
             
     Casamento dá trabalho, e muito! Quem quer ficar bonito e saudável tem que fazer dieta, exercícios e se dedicar muito. Quem quer chegar a ser o Presidente de uma empresa multinacional precisará dedicar anos e anos a esse objetivo. Tudo na vida: trabalho, saúde, projetos, sonhos etc, funciona assim. Então, com o casamento não teria como ser diferente.

     Mas,  olhando de outra perspectiva, será que vale a pena  tanto trabalho? Se  pudéssemos definir um valor para o casamento, qual seria o preço de uma vida inteira de felicidade? Vocês já se perguntaram isso? Pensem: quanto “custaria” fazer duas pessoas felizes para sempre como nos contos de fada?



     Marília e Hiro, a resposta a essa pergunta é muito simples e já virou até letra de música. Nas palavras dos Beatles: “No fim, o amor que você leva é igual ao amor que você faz”. Ou seja, a quantidade de dedicação que vocês depositarem no casamento será proporcional à alegria de que vocês dois desfrutarão ao longo dos anos e anos dessa união. Dediquem-se um ao outro, sempre, invistam no casamento de vocês e a “caixinha da felicidade” jamais se esvaziará. E sobre a felicidade no casamento, acho que cabe mencionar também algumas palavras.

     Enquanto eu estava pesquisando para  escrever este  texto,  encontrei um conceito japonês riquíssimo que se aplica perfeitamente à felicidade no casamento. Estou falando do conceito de Wabi-Sabi. Em japonês, wabi significa “quietude” e sabi significa “simplicidade”. Wabi-Sabi é um conceito muito interessante, é uma filosofia de vida baseada no Zen Budismo que aprecia a beleza daquilo que é “imperfeito, transitório e incompleto”, mas único! Um dos exemplos que encontrei do Wabi-Sabi é o de uma xícara de chá que se quebrou e que foi colada novamente. Aquela xícara deixou de ser igual a todas as outras, ela agora tem pequenas marcas e imperfeições, pequenos vestígios de sua trajetória que agora a diferenciam e a tornam única no mundo.



     Por ter se quebrado,  aquela xícara se tornou mais simples que as outras, mas, ao mesmo tempo, ela possui uma história, ela possui um tipo de beleza que nenhuma outra xícara jamais poderá imitar.

     As pessoas que entendem a filosofia do Wabi-Sabi percebem que a beleza daquela xícara vem exatamente de suas pequenas imperfeições, de sua história e de sua simplicidade. Por outro lado, quem só se preocupa com a camada exterior e com a opinião dos outros, e não com essência, não será capaz de ver ali mais que uma mera xícara de chá remendada.

     Marília e Hiro, se vocês tiverem  sorte e se  dedicarem bastante, o  casamento de vocês terá muito desse conceito de Wabi-Sabi. E eu não estou desejando a vocês um monte de xícaras quebradas! Não é nada disso.

   Cada casal sabe bem do que eu estou falando. A esposa que ri da cara amassada do marido quando ele acorda no dia seguinte a uma festa. O marido que acha lindo o jeito como a esposa reage a uma cena romântica no cinema, ou como ela fica linda quando está rindo de uma piada sem graça. Todos esses pequenos detalhes da vida a dois, essas pequenas “imperfeições” aos olhos de outras pessoas, são na verdade os mais belos, singelos e felizes momentos de um relacionamento. E isso tem tudo a ver com o Wabi-Sabi! A real felicidade está naquilo que é “imperfeito, simples e transitório”, mas cheio de significado e de beleza. Marília e Hiro, saibam encontrar essa beleza simples e imperfeita no casamento de vocês e, tenho certeza, vocês serão infinitamente felizes.

     E por falar em felicidade, eu não posso, em uma cerimônia de casamento, deixar de falar da fonte de toda a felicidade: o amor. Ah, o amor! O que ainda há para se falar sobre o amor?

  “Amor” é uma palavra pequena para representar um sentimento infinito, é algo que todos sentem, mas que poucos se atrevem a definir. Aristóteles teve essa coragem. Segundo o grande filósofo grego “o amor é uma só alma que habita dois corpos ao mesmo tempo”. Perfeito! O amor é capaz de quebrar as leis da física e da matemática. No amor, um mais um é igual a um! A soma de duas pessoas é igual a uma só família!



     Um dos lados bons  de hoje  em dia  não haver mais casamentos  arranjados e menos casamentos por pressões sociais é que, finalmente, podemos acreditar que as pessoas estão verdadeiramente se casando por amor e só por amor. O amor verdadeiro não tem por quê. O Padre Antônio Vieira tem um sermão lindíssimo sobre o amor no qual ele aborda a pergunta: Por quê amamos? Diz o padre: “Se amo por que me amam, amo por obrigação, faço o que devo; se amo para que me amem, é uma negociação, sou interesseiro; quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, esse sim, ama de verdade”.

     O amor é um fluxo contínuo, sem início nem fim, sem porquê, sem pra quê. O amor “é”, e feliz é aquele que tem a chance e a sorte de provar desse que é o mais puro dos sentimentos humanos. Eu acredito profundamente no amor. Marília e Hiro, ao longo dos anos e anos do casamento de vocês, se todo o mais falhar, simplesmente amem.

    Acredito que chegou o momento de darmos o próximo passo nessa cerimônia tão cheia de simbolismo. E o que melhor para representar simbolicamente o casamento e o amor do que as alianças? Por favor, que entrem as alianças que selarão esta união.



     Tenho em minhas mãos um par de alianças muito bonitas. Tudo em uma cerimônia de casamento tem o seu simbolismo, e as alianças não são exceção – primeiramente, pelo formato. As alianças são um círculo perfeito, sem início e sem fim, que representa o elo eterno que se está estabelecendo aqui hoje. A aliança não é uma algema que aprisiona os noivos, ela é um símbolo visível e tangível do laço invisível e intangível que manterá Marília e Hiro unidos para sempre a partir de hoje.

     E,  falando em para sempre, as alianças de casamento tradicionalmente são feitas de ouro, mas por quê? Porque ouro é caro? Porque precisamos ostentar uma joia em nossas mãos todos os dias? Não. Ao contrário de outros metais, o ouro não enferruja, não escurece, não cria manchas com o passar dos anos. Joias feitas de ouro com mais de 4 mil anos foram encontradas em perfeito estado no Egito. O ouro das alianças de casamento simboliza o amor verdadeiro de um casal, que não se desgasta, que não se mancha, que não enferruja, mesmo depois de anos e anos de relacionamento.

     E por que as alianças são colocadas no quarto dedo da mão esquerda, que em português inclusive recebe o nome de “dedo anelar”? Durante muitos séculos acreditou-se que havia uma veia que ia deste dedo diretamente ao coração. Essa veia imaginária era chamada em latim de “vena amoris”, ou a “veia do amor”. Assim, usando a aliança nesse dedo, simbolicamente, os noivos envolviam o próprio coração com a representação física de seu amor.

     Marília e Hiro, desejo do fundo do coração que a união de vocês seja infinita como o círculo infinito dessas alianças, e que o amor de vocês seja puro, limpo, brilhante e eterno como o ouro desses anéis tão cheios de simbolismo que a partir de hoje envolverão os corações de vocês.
Agora que relembramos esses significados, acho que é o momento ideal para que os noivos troquem as alianças e prestem o compromisso matrimonial.

   Antes, porém, um comentário. Nas cerimônias católicas, todos os casais presentes durante o compromisso matrimonial também renovam os votos que fizeram quando se casaram. Minha esposa e eu sempre nos lembramos disso quando vamos a casamentos e trocamos um olhar confidente e emocionado. Isso faz de cada cerimônia um momento ainda mais especial para nós, mesmo depois de 14 anos de união. Esta não é uma cerimônia religiosa, mas, mesmo assim, eu convido todos os presentes a, junto com os noivos, renovarem os votos de amor e de fidelidade da união de cada um de vocês.


     Marília e Hiro, vocês manifestaram o desejo de vos unir em matrimônio. É de livre e espontânea vontade que o fazeis?
              
     Noiva: Sim! 

     Noivo: Hay!

     Marília, por favor, coloque a aliança no dedo do Hiro e repita depois de mim:

    Eu, Marília, te recebo, Hiroyuki, como meu legítimo esposo, prometendo-lhe ser fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias de nossa vida.

     Hiro, por favor, coloque a aliança no dedo da Marília e repita depois de mim:

    Watashi  Hiroyuki wa,  anata,  Marilia  wo, tsuma toshi, sono sukoyaka na tokimo, yamu tokimo, yutaka na tokimo, toboshii tokimo, anata wo uyamai, nagussame, tassuke, eien ni aissuru koto wo tikaimassu.

    Pelos poderes a mim conferidos por vocês mesmos, Marília e Hiro, e também em nome das famílias de ambos que estão aqui presentes, testemunhando este momento de emoção e de amor, eu vos declaro: Marido e Mulher.

     Pode beijar a noiva!


     Jovem casal, a partir deste momento vocês  dois  são uma  só família. Uma família que consegue unir os dois extremos do planeta no espaço apertado de um abraço. Lembrem-se sempre de que os milhares de quilômetros que separam Brasília de Tóquio não foram obstáculo suficiente para impedir a união de vocês. Então, nunca permitam que pequenos contratempos da vida sejam capazes de afastar um do outro. Coragem!

     Agradeço a honra de ter podido celebrar o casamento de vocês e faço votos de que esta união seja feliz e duradoura! Vou encerrar esta cerimônia com uma frase do escritor Alexander Milne, autor de “O Ursinho Pooh”, que, para mim, define a essência de uma união feliz.

     “Se você viver até os 100 anos,  espero viver até ter 100 anos menos um dia,  para que eu nunca precise viver sem você.”

     Sejam felizes! Deus abençoe vocês.


     "Nossos caminhos são agora um só caminho, nossas almas, uma só alma. Já não preciso estender a mão para te alcançar, já não precisas falar para que eu te escute."

     E viveram felizes para sempre...

     Fotos: Canvas Ateliê Fotográfico

2 comentários: